Transtornos mentais, relações pessoais e percepções

0 Comment

[ALERTA DE GATILHO]: esse texto aborda transtornos mentais e menciona tópicos como tratamentos psiquiátricos.

Há algum tempo, escrevi sobre o Setembro Amarelo. Ironicamente, na época do texto eu estava a meses de receber o meu diagnóstico: Transtorno de Ansiedade Generalizada, ou TAG. Naquele momento, falar sobre saúde mental era sensível para mim. Eu tinha uma série de preconceitos para desconstruir e um longo caminho, o qual ainda percorro, de autoaceitação.

Avança para três anos depois, um longo tratamento e muitos altos e baixos, posso dizer que a minha relação com o tema mudou. Eu aprendi a aceitar melhor essa parte de mim, mas isso não significa que é fácil lidar com ela. Nunca é. Fica mais fácil, isso é verdade. Mas não o tempo todo. Existem fases em que fica fácil, outras em que fica difícil. O grande problema é que depois de um tempo a gente passa a acreditar que já sabe de tudo, já entende o sistema todo e esse é o erro.

O que se vai aprendendo é como a presença de um transtorno muda a sua relação com o mundo. Não tem jeito, por mais que você tente separar e colocar em caixinhas, o transtorno acaba entrando no meio das suas relações pessoais e muda algumas de suas percepções. E isso eu só vim perceber em um dos meus vários momentos de “baixo”.

Você passa a se questionar se as pessoas não estão se cansando de você. Ninguém entende isso de você cancelar compromissos, falhar, se afastar, e, se entendem, se cansam. Oras, se você mesma está cansada, como os outros não se cansarão? Tem também o medo de não ser o bastante, de não fazer o suficiente. Você acha que está entregando tudo errado, agindo sempre errado e, então, você tenta compensar em excesso.

O mais frustrante para mim é a insegurança que te traz. Se alguém demora a responder ou responde com um tom diferente, pronto, você cria a certeza de que fez algo errado. A sua mente escaneia cada ação tentando encontrar aquela que causou tudo. Às vezes nem isso. Às vezes você mesmo cria cenários catastróficos na sua cabeça e acredita neles.

Conviver com um transtorno não é fácil. Conviver com alguém que o tem também não é. É um desgaste emocional grande, é difícil. Eu pude viver os dois lados disso e sei como é cansativo, frustrante e, por vezes, desesperador. Talvez por isso eu me questione o triplo de vezes, por isso eu me culpe. “Será que eu estou fazendo as pessoas sentirem o que eu senti quando estava no lugar delas?”, “Será que eu me tornei uma companhia desagradável?”, “Será que alguém ainda quer genuinamente conviver comigo?”.

É difícil, muito. E nos momentos ruins parece quase impossível de lidar. Nessas horas, tento lembrar a mim mesma tudo de que bom que as pessoas que eu amo já me disseram sobre mim. Tento lembrar que essa é uma fração do todo que eu sou. Não é fácil, não resolve magicamente o nó que a minha mente fica, mas ajuda. Ajuda a lembrar que eu sou mais do que o meu transtorno, mais do que a incógnita da possibilidade de novos transtornos, mais do que a “Sttela ansiosa” ou a “Sttela insegura”.

Transtornos mentais são cruéis não apenas com quem lida com eles, mas com quem ama alguém que convive com eles. É preciso paciência, cuidado, empatia. Só que às vezes pesa. Pesa para todo mundo. E tudo bem. Faz parte da jornada. É difícil de lidar às vezes, eu sei. Tem momentos em que eu me pergunto se eu serei a Sttela do meu transtorno para sempre. Mas então eu lembro a pessoa que eu sou quando o fantasma dele me deixa em paz. Eu lembro que eu já o controlei uma vez e que vou fazer de novo.

Talvez as relações se desgastem, talvez as pessoas se cansem, talvez você se questione. Mas gosto também de pensar que essa é a vida. Com ou sem transtornos, as relações humanas se desgastam, têm seus momentos. Todo mundo tem uma batalha interna e às vezes ela explode e respinga em tudo. O fundamental – e, sim, eu sei que soou um tanto autoajuda – é o que você faz depois da explosão. Isso é o que realmente importa. A gente às vezes se esquece, mas por mais que na hora seja insuportável, isso fica melhor e é por essa pessoa, por esse “eu” que eu sei que sou é que eu persisto.

Não vou mentir, hoje não estou no meu melhor. Mas eu vou ficar. Como disse Belchior, “ano passado eu morri, mas esse ano eu não morro”.

IMPORTANTE

Caso você sinta que precisa de ajuda, o CVV oferece apoio emocional e prevenção do suicídio gratuitamente todos os dias 24 horas por dia via telefone, email, chat e voip. Basta ligar no 188 para maiores informações.

Você não está sozinha(o)!

Photo by Volkan Olmez on Unsplash

0 Comments

Leave a Comment