Irmã Outsider, Audre Lorde e o feminismo que precisamos

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No começo desse ano, contei que havia começado um desafio literário (dois, na verdade, mas um acabou desandando e, infelizmente, não demos continuidade. Paciência, faz parte) e eu havia prometido escrever um post sobre cada livro escolhido. No entanto, percebi que resenhas existem aos montes e os livros desses desafios são mais do que algo para manter uma meta de leitura. Eles servem para trazer reflexões. Por essa razão, decidi que farei diferente: escreverei sim sobre os livros, mas de uma maneira diferente. Com mais aprofundamento na mensagem e nos efeitos dela em mim do que dizendo se a leitura é ou não boa.

Nascida em Nova York em 18 de fevereiro de 1934, Audre Lorde foi e é um dos principais nomes quando falamos em feminismo/feminismo negro, antirracismo, direitos civis e direitos LGBTQIA+. Acadêmica, ela teve inúmeros livros publicados, dentre eles Irmã Outsider (Sister Outsider no original) e foi esse o escolhido para livro de abril. E que livro! Em um conjunto de ensaios, Lorde aborda temas como racismo, a dificuldade de ser uma mulher negra, lésbica e mãe dentro da Academia, o imperialismo dos EUA, o feminismo branco e as lições que precisa aprender, o “ser mulher” na sociedade e muito mais. Irmã Outsider é um verdadeiro mergulho à mente e à obra da autora.

Conheci seu trabalho no mestrado, justamente por Irmã Outsider, mas nada se compara à experiência de ler todo o livro. Como mulher branca e feminista, tenho a obrigação de compreender meus privilégios, estudar e entender como posso exercer meu feminismo de uma maneira mais interseccional, compreendendo as diversidades e como elas podem ser benéficas para o movimento. E é o que Audre Lorde faz.

Algumas pessoas devem conhecer a fala “seu silêncio não vai te proteger”. O ensaio do qual ela faz parte está nesse livro, mas Lorde vai além. Ela explica “o que nos imobiliza não são as diferenças, mas o silêncio. E há tantos silêncios a serem quebrados”. Quais silêncios reconhecemos em nós mesmas? Não basta apontar o exterior sem refletir sobre o eu, sem questionar quais posturas você tem ou deixa de ter.

Ouvi certa vez a frase “a questão não é o que você faz quando não sabe, mas o que você faz ao saber” (não me lembro de quem é, se alguém souber por favor me diga). Não é possível passar por uma vida inteira clamando ignorância se você têm acesso às ferramentas para te fazer compreender o mundo ao seu redor e os motivos que o fazem a ser como é. Como Audre diz, as pessoas esperam que o oprimido ensine o que fazer ou não, mas essa função não é dele, é de quem compõe a sociedade opressora.

Um feminismo plural para um sociedade plural

Ao abordar especificamente as diferenças entre o feminismo para uma mulher branca e uma mulher negra, elas explica: “Implicar que toda mulher sofre a mesma opressão simplesmente porque somos mulheres é perder de vista as diversas ferramentas do patriarcado. É ignorar como tais ferramentas são usadas por mulheres sem conhecimento umas contra as outras”.

Com sua experiência de tentar encontrar um ponto de congruência dentre os diversos ativismos dos quais fazia parte, Lorde nos mostra a pluralidade do que é ser humano e essa pluralidade deve ser respeitada, enxergada e usada para romper com os mecanismos que oprimem.

Há muitas diferenças entre nós, raça, idade e sexo. Mas não são essas diferenças que nos separam. É a nossa recusa em reconhecer tais diferenças, e examinar as distorções que resultam do erro ao nomeá-las e seus efeitos sobre o comportamento e expectativa humanos

A verdade é que eu poderia falar sobre o que aprendi com Audre Lorde em páginas e mais páginas, mas a verdade é que bom mesmo é ter tudo isso em primeira pessoa, lendo suas palavras. Fiquei muito feliz, aliás, ao vê-la citar em diversos momentos o professor Paulo Freire. Tão importante como foi para a educação, vemos ecos de seu trabalho em obras tão questionadoras como essa. Foi bom notar como, de fato, mentes brilhantes pensam igual (ao menos em alguns pontos muito cruciais, não?).

A boa notícia é que desde 2020 Lorde vem sendo publicada no Brasil (sim, é chocante pensar que antes dito a autora era praticamente inacessível por aqui). Em uma união de editoras independentes, suas obras estão aos poucos sendo traduzidas para o português. Irmã Outsider, no caso, foi publicada pela Autêntica, mas a Ubu Editora, por exemplo, já traduziu Sou Sua Irmã, A Unicórnia Preta e Entre Nós Mesmas.



Irmã Outsider
Autora: Audre Lorde
Editora: Autêntica
Tradução: Stephanie Borges
Média de preço: R$ 54 a 59

Imagem: Penguin Books

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