A história pela bola: como surgiram os mascotes mirins do futebol

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Na imagem, junto aos jogadores, está o sósia mirim do goleiro Ortiz, o mais dificil de ser encontrado. (Foto: atleticoxcruzeiroraridades)

Atualmente, para uma criança realizar o desejo de entrar em jogos de futebol com seus times e ídolos é fácil. Basta ter entre cinco e doze anos e comparecer ao estádio vestido com o uniforme completo e atual do time desejado. Porém, antigamente, quando Pelé ainda jogava, a tradição de crianças acompanharem os jogadores até o campo nem existia. A presença delas era rara, e, caso houvesse uma criança em campo, provavelmente era filho(a) ou parente de algum jogador ou de membros da diretoria. Tal realidade, no entanto, mudou com a persistência de um mineiro que tinha um sonho de infância, mas não teve a oportunidade de realizá-lo. Em troca, deu a chance para muitas crianças também sonharem, mas com a diferença de poderem transformar esse sonho em realidade.

Foi em 1976 que o então diretor de relações públicas do Clube Atlético Mineiro, Ronan Ramos Oliveira, teve a oportunidade de colocar em prática essa fantasia de muitas crianças, continuando a realizá-la até hoje. E em um jogo contra o América Mineiro, o empresário lançou a ideia dos mascotes mirins. A criatividade prosperou e se transformou em uma tradição mundial. Atualmente, são raros os jogos que não possuem crianças acompanhando jogadores ao entrar no campo, até jogos oficiais da CBF e da FIFA contam com a participação desses pequenos torcedores. Para o atual presidente do time paulista Sport Clube Corinthians, Mario Gobbi Filho, “é uma coisa boa, que aproxima o jovem, o menino do futebol. Motiva, traz o público ao estádio, traz a família”, opina.

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Com o tempo, a ideia ampliou para centenas de crianças em campo (Foto: atleticoxcruzeiroraridades)

Com o Atlético Mineiro passando por uma crise financeira, Ronan precisava encontrar uma maneira de trazer mais pessoas aos jogos. Foi a partir de uma vontade vinda de sua própria infância  que ele começou a desenvolver o projeto dos mascotes mirins. “Convencido e confiante que daria certo, precisava rapidamente materializar esse sonho”, conta Ronan. “De 1976, ano que implantamos o projeto, fiz um exaustivo trabalho de pesquisa dos anos anteriores e os mascotes que encontrei em fotos de jornais e revistas era um ou dois, no máximo três. Sabia que se levasse a criança como mascote ao campo, levaria também seus pais. Se posso levar um, por que não levar onze, pensei”, afirma. Foi dessa forma que o ato que leva as crianças ao delírio começou.

Porém, Ronan explica que, para colocar essa proposta em prática, o processo não seria tão simples quanto ele esperava. “A mania de buscar requinte para os eventos que (eu) realizava me levou a procurar um modo de impactar o público. Encontrar a solução não foi difícil. Queria mascotes sósias dos jogadores”, explica. E essa foi justamente sua maior dificuldade, encontrar crianças idênticas aos jogadores e, em especial, ao jogador Ortiz.

Quando finalmente conseguiu organizá-lo, o projeto já tinha 10 das 11 crianças, mas ainda faltava a que representaria o goleiro, o que fez com que a implementação fosse prorrogada. Tudo mudou, no entanto, no dia em que Ronan estava no Bar do Redondo, em um fim de tarde, batendo papo com alguns amigos que iam e vinham. “Passados uns 40 minutos, estava distraído, de cabeça baixa, escrevendo, quando ouvi um forte barulho na mesa e vi dois pés calçados de Kichute, é que a pessoa estava em pé na mesa. Levantei a cabeça e vi o goleiro Ortiz em pessoa, só que muito mais jovem, uma criança. Era o filho do meu amigo Nicodemos Rodrigues da Cruz”, entusiasma-se. O time de jogadores mirins estava completo e, com muita expectativa, em 5 de setembro de 1976, em um jogo contra o América Mineiro que terminaria em 1×0 para o galo com gol de Reinaldo, o primeiro grupo de mascotes mirins entrou em campo.

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A principal regra era estar com o uniforme completo e atual do time

A expectativa no dia era grande. Poucos sabiam o que iria acontecer, só alguns membros da diretoria do clube, os pais das crianças e elas próprias. Para os jogadores e para os torcedores, o ato era inesperado. “Eles só ficaram sabendo no dia do jogo. Na véspera, correu a notícia que o Departamento de Relações Públicas ia apresentar uma surpresa para a torcida. Curiosidade total. No dia, os jogadores a cada minuto chegavam à porta do vestiário para ver as crianças e o susto era geral, porque eram 11 sósias dos que iam entrar em campo”, comenta Ronan Ramos.

Nos anos que se passaram, o ato de levar crianças para o campo evoluiu e se transformou em tradição. O segundo time a adotar os mascotes foi o América Mineiro, no mesmo dia do lançamento, por sugestão do atleticano. Assim, a ideia se espalhou e, aos poucos, chegou em todos os continentes. Ronan faz questão de confirmar a originalidade de sua ideia: “Pesquisei em jornais, revistas e livros antes de 1976 e não encontrei nada. Entrevistei muita gente, meio mundo antes de lançar o projeto. Perguntei aos veteranos profissionais do futebol e da imprensa para saber se já tinham visto ou tinham notícia de algum time no mundo ter entrado em campo com tantos mascotes. Todos confirmaram o ineditismo”, conta.

CRESCIMENTO E ATUALIDADE

A ideia de Ronan Ramos prosperou no futebol de tal forma que dificilmente  há um jogo sem a presença dos mascotes. Pais levam seus filhos uniformizados até o estádio e chegam a aguardar por horas em pé apenas para garantir a entrada dos pequenos. A comoção é tamanha que alguns ficam até mais sorridentes do que a própria criança, fazendo qualquer esforço só para realizar esse sonho. Alguns chegam a ir ao jogo mesmo em situações extremas: “O meu filho queria muito. Hoje eu estou com o pé quebrado, não estou podendo andar, mas trouxe-o pra passar essa experiência. É uma coisa que se eu fosse criança não ia deixar meu pai não me levar, conta Sérgio Costa, pai de Arhur, 7 anos.

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Em jogos na Europa, os mascotes também estão presentes (Foto: UOL)

Os mascotes mirins, no entanto, não afetam somente pais e filhos torcedores. A importância de acompanhar seu ídolo no esporte pode ser tanta que algumas crianças decidem adotar a profissão, como aconteceu com Cássio Roberto Ramos, atual goleiro do Corinthians. Segundo o jogador, tudo começou quando “morava em Veranópolis e torcia pro Grêmio… Sempre que podia, ia ao encontro deles, tentar um foto ou uma fala. Já entrei no Veranópolis e, curiosamente, o treinador dessa equipe era o Tite, e eu era mascote”. Cássio conta que a aproximação entre os mais novos de seus ídolos pode de fato chamar atenção para a carreira no futebol, e revela que “estar no meio do futebol, perto das pessoas e do esporte que você gosta  desperta um amor. Eu começava a ver os jogadores e comecei a atuar no gol. Isso ajudou muito, com certeza. Cria uma vontade enorme de querer ser jogador de futebol”, conta.

Com a experiência de quem já esteve em ambos os lados, Cássio conta que a relação com as crianças que hoje entram com ele também é muito interessante e divertida. “Elas fazem muitas perguntas. Sempre tento conversar e responder a todas. A maioria fala que são goleiros, que gostam e se inspiram em mim, fico muito feliz em ser um exemplo para essa nova geração”. Ele reforça que “nós somos os ídolos deles, é importante tratar bem, são a nova geração. Eu fui o mascote do Veranópolis e hoje sou goleiro do Corinthians. Estamos entrando em campo com eles hoje e, amanhã, podem ser o novo goleiro do Corinthians”, explica o jogador.

A expectativa das crianças antes dos jogos é grande. Gritos, vozes entoando músicas da torcida, palmas, meninos e meninas correndo, esse é o cenário na concentração onde ficam os pequenos. A ansiedade deles chega a contagiar quem está apenas observando o cenário. Alguns, como Vitor Ferreira, de 10 anos, se inspiram nesse momento para escolher sua profissão. O menino, que entrou em um jogo do Corinthians justamente com Cássio, conta que “ele disse que, se eu quiser, eu também posso ser jogador de futebol igual a ele”, confirmando que tal aproximação realmente tem grande influência sobre esses torcedores mirins.

O PROBLEMA

A ideia cresceu de maneira surpreendente, alguns jogos chegaram a reunir centenas de crianças dentro de campo. O caso incomodou algumas entidades responsáveis pelo futebol que decidiram regulamentar a ideia, restringindo as crianças a um número máximo em campo.

“Ao contrário do que eles pensam, as crianças são educadas e obedientes. Têm liberdade no gramado, sabem o que podem fazer e onde podem ir e a hora de sair do campo”, critica o Ronan Ramos.

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Nos jogos oficiais da FIFA, mascotes com comportamento militar (Foto: Rafael Ribeiro/CBF)

É difícil não notar que hoje em dia praticamente todos jogos se iniciam com essas crianças. A seleção brasileira e a FIFA também adotaram a ideia “mas apenas onze crianças e comportamento militar” defendendo que o jeito mais livre, mas com disciplina, agrada mais e fica sendo realmente uma atividade de criança, não de robô.

Apesar de Ronan não aprovar o rumos que sua criação tomou atualmente, não há como negar a proporção e  importância que os mascotes mirins ganharam. Presentes em todos os jogos, alvos de concursos para entrarem junto aos jogadores na Copa, símbolo de aproximação com seu ídolos, eles provam que o futebol é assunto sério até para crianças e que a paixão pelo esporte não tem idade.

 

4 Comments
  • Michelle

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    Nossa Serendipitys, vocês não tem ideia do quanto eu fiquei feliz lendo essa reportagem! Sensacional, nunca imaginei que era assim! Vocês realmente mataram a minha curiosidade! Sempre sonhei em entrar em campo, mas infelizmente nunca consegui, mas um dia meus filhos entrarão! Obrigada de novo pelo incrível texto, furo e reportagem!!!!

  • Anônimo

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    Muito show gostei muito do site e da mat

  • Ana Paula Lanna

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    Ontem, 18 de Maio, faleceu o pai do “Ortiz Mirim”. O nosso amado Tio Nicodemos. Inúmeras vezes entramos em campo como o nosso Galo e calçado os Tenis fabricados pela Equipe ( empresa do Tio Nicodemos). Ele deixou saudades em todos nós.

  • anderson abdo rodrigues

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    Bom dia, meu nome é anderson abdo rodrigues sou o ortizinho, tomei conhecimento desta reportagem dutante uma busca pra encontrar alguma homenagem que meu pai Nicodemos rodriguez da cruz falecido no dia 18 de maio de 2015 pudesse ter recebido, pois temos orgulho do atleticano que foi e que todos nós nos tornamos, apaixonados pelo galo! Sou cirurgião dentista com especialidade em cirurgia e traumatologia buco maxilo facial e em pacientes com necessidades especiais, atualmente moro em palmas tocantins e me coloco à disposição para enviar fotos se precisarem! Abraços atleticanos !!

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